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segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Voltar à Brasília

I

Meu futuro é como as sombras enfumaçadas

projetadas na cúpula da câmara federal: 

luz trêmula e uma idéia inconclusa de país

Adeus Brasil! Adeus Brasília!

É preciso rever o plano

do sonho ufanista e arrojado

da construção da nova capital:

local perfeito para pousos e decolagens


II

Tem até formato de avião...

Me leva daqui 

Sou rapaz cordato e sem vícios

O doutor disse a meus pais:

é menino de QI elevado

precisa dos cuidados

de ciosos franciscanos 

disciplinados militares


III

Brasilia férvia em seu destino

não queria ser apenas avião

Uma rampa de asfalto e concreto

do lançamento de leis e intenções

para o futuro da nação

As nuvens reverberam as cores

do crepúsculo em chamas a mensagem:

"Brasília ainda vai te levar além"


IV

Quero voar leve como os pássaros

azuis de Athos Bulcão

Mas voei para São Paulo

Depois escapei para a California

Não havia outra opção:

ser esmagado pelo concreto de Brasília

ou voar sem lenço nem documento


V

para sonhar de novo com Brasília

O crepúsculo no fim da tarde anuncia

o novo que nunca chega

Seria Brasília a terra do nunca?

A terra do quase ou do transe?

Tinha mesmo é que ser a capital

do país do futuro, o Brasil

como disse aquele general francês


VI

Passei pelo Rio de Janeiro

para estudar os restos de uma capital

O que nasceu no lugar vacante

da cidade maravilhosa?

Abracei o Corcovado e a Urca

para sentir-lhes a pulsação

Me ajudem a desaprender Brasília

libertá-la do peso da nação


VII

Se planta não nasce no concreto

deve nascer outra coisa: música e arte

Minha vida imaginária em Brasilia

caminhou dos versos de Leminsky

para as letras do "Punk" em português

Corria pelas superquadras esquecendo

de detritos federais

da tortura, das perseguições da Ditadura


VIII

Preciso sair daqui

Preciso escapar daqui...

Eu, nós?

Precisamos sair dessa

ir para outra...

Mudaremos de Brasil?

De que adianta uma plataforma 

rodoviária de lançamento?


IX

Precisamos de muitas cabeças:

Renato, Sivuca, Hermeto, Egberto

Os cabeças, onde estão?

Vamos mudar de Brasil?

Ou, vou mudar de cidade?

Eu desconheço Brasília

de uma ponta da asa sul

até a ponta da asa norte


X

A gente não muda nada

nem a vida das satélites

Cansadas de esperar

seguiram outros voos planetários

Somos um bando de bundas-mole!

Vou florescer em São Paulo

Adeus "Feliz Ano Velho"!

Feliz ano novo!


XI

Sampa é outra pegada

Os bandeirantes usaram a terra de Vera Cruz

até sobrar apenas uma Pindamonhangaba

Ali nada para, firma, sossega ou dorme

Sampa me convidou a seguir viagem

Será que um dia vou aterrizar

no aeroporto de Brasília?

Trarei pacotes de jujuba

mandigas e olhares diferentes


XII

Meu futuro nas sombras e vultos

refletido em movimentos disformes

Aonde foi parar Brasília?

Em um labirinto de dizeres?

"Você nasceu, e tudo isso já existia"

Minha Brasília á espera

de invenções e milagres

sonhados por Dom Bosco


XIII

Em 1883, o padre canonizado

sonhou com leite, mel, e Brasília 

Na primeira constituição da República 

Brasília não se faz de rogada:

"Construir-se-á a nova capital

no planalto central brasileiro"

Para o futuro, rumou a expedição Cruls 

Tem pés de barro o anjo da cidade?


XIV

É concreta a santidade de Brasília?

È para isso que seus filhos retornam?

Se Brasília não é o futuro ainda

é o que então?

Brasília é um laboratório 

de emoções, magias e mazelas 

que dão caldo, e comida boa

no Beirute: o bar encantado


XV

Em 1966, a nave pousou na 109 sul 

Seus tripulantes dia e noite conspiram 

para que o futuro logo chegue

Vem Brasília!

Ser berço de uma nova civilização

plural, criativa e atemporal

Mas Brasília vive de futuro

para o qual sempre retorno


XVI

Seria o eterno retorno de Nietzsche?

Eu inventaria Brasília de novo?

Os portugueses acertariam o leme

indo parar nas Índias dessa vez?

A evolução precisava de uma ideia de futuro

A ideia tinha que ter corpo e um nome

Que tal corpo de avião e nome de árvore?

Prazer, Brasília!


XVII

Adeus, Brasília!

Até a próxima!

Só depende de você perder o medo

de desver o plano 

reconstruir sua história

Quando estiver para nascer o futuro

eu volto para ajudar no parto

do nome, do corpo e da ideia






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