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sábado, 10 de setembro de 2022

Baião para Necy


Necy, Necy

prepara a tapioca gostosa

Necy, Necy

diz-me o que tu levas na memória

Necy, Necy

me conta uma delícia de história

Necy, Necy

perfumes do nosso Maranhão

 

O meu nordeste tem magia

Frutos, sementes e mel

E o suor da valentia

alegria severina eu vou cantar

 

Necy, Necy

prepara a tapioca gostosa

Necy, Necy

diz-me o que tu levas na memória

Necy, Necy

me conta uma delícia de história

Necy, Necy

perfumes do nosso Maranhão

 

É muita luta esse viver

Doçura e amor no coração

E a vitória você vai ver

brilha nas noites do sertão

Dutchman

Autor: Amini Baraka (LeRoy Jones)

Tradução e adaptação de Osmar Coelho

 

Apresentada primeiramente no teatro Cherry Lane, Nova York, em 24 de março de 1964. Dutchman é o nome que se dava ao homem branco de origem germânica ou oriundo da região onde hoje se localiza os Países Baixos. É também o nome para o comandante dos navios que faziam o transporte de pessoas escravizadas. 

 

Esta foi a peça mais encenada em Nova York naquele ano.

 

Personagens:

 

Clay, Homem negro de 21 anos.

Lula, Mulher branca de 30 anos.

Passageiros do vagão, brancos e negros.

Jovem Negro

Velho Condutor

 

(Lula é um nome derivado de Louise e utilizado para meninas)

 

 

Em um voo pelos intestinos da cidade. Calor de sauna. Verão a pino lá fora. Debaixo da terra o metrô e o mito da modernidade.

 

Na cena de abertura temos um homem sentado num assento do vagão, segurando uma revista e olhando vagamente por sobre as páginas flácidas. Ocasionalmente ele olha vagamente através da janela à sua direita. Luzes baças e a escuridão contra o vidro. Ou luzes coladas como anteparos, diretamente nas janelas do metrô. Elas se movem, sem brilho, tremelicando, mas dando uma sensação de velocidade. E também as estações, as estações são apenas flashes na janela.

 

O homem está sentado sozinho. A única coisa visível é seu assento embora todo o vagão esteja lá. Mas apenas seu assento é visível. Assim que a peça começa ouvimos um barulho alto de trem. E esse barulho pode voltar e recuar através da peça, ou continuar mais baixo assim que os diálogos começam.

 

O trem para pôr um tempo, forçando uma parada em uma estação. O homem olha furtivamente até que ele vê a face de uma mulher olhando para ele pela janela; quando ela vê que ele a percebeu ela começa rir premeditadamente. O homem também sorri por um momento, sem mostrar estar consciente disso. Quase por instinto embora a resposta fosse indesejável. E um tipo de embaraço surge, e o homem olha para longe, o embaraço continua, e ele move de volta os olhos para onde estava a face, mas o trem se move novamente, e aquela face parece perdida lá atrás no caminho e o homem olha para trás para a plataforma vazia. Ele sorri depois; confortavelmente confiante, esperando talvez que a memória deste breve encontro seja prazerosa. E depois ele fica imóvel novamente.

 

Primeiro Ato

 

Barulho de trem. As luzes iluminam lá fora do outro lado das janelas. Lula entra na parte de trás do carro, em roupas de verão coloridas e sensuais e sandálias. Ela carrega uma sacola cheia de livros, frutas, e outras coisas. Ela está de óculos escuros, que ela puxa para a cabeça vez em quando. Lula é uma mulher alta, magra e bonita com um longo cabelo avermelhado que vai até as costas. Ela come uma maça muito delicadamente e com um certo charme. Ela vem pelo carro até Clay.

 

Ela para ao lado de Clay e se apoia no tubo de aço, no teto do trem, languidamente e ainda comendo a maça. Está na cara que ela vai se sentar ao lado de Clay, e que ela só está esperando que ele a note para que ela sente.

 

Clay sentado como antes, olhando além de sua revista, trazendo para frente e para trás a revista num esforço sem esperança de fazer um pouco de vento para ele. Depois ele olha a mulher pendurada ali do lado dele e olha para a face dela, sorrindo intrigado surpreso.

 

 

Lula. Olá!

Clay. Oi...Como está?

Lula. Vou sentar aqui ok?

Clay. Ok.

Lula. [balança no assento, esticando as pernas como se estivesse cansada impaciente] Ufa! Que peso.

Clay. Não me parece muito [encostando na janela um pouco surpreso talvez descrente]

Lula. Assim que é, não tem jeito [ela move seus dedos na sandália, depois coloca sua perna direita sobre o joelho esquerdo, inspeciona a sola das sandálias. Ela parece por um segundo não notar Clay sentado ao lado ou que ela havia falado com ele segundos atrás. Clay olha para a sua revista e para a janela escura. Enquanto ele faz este movimento ela se vira para ele.

Lula. Você estava me olhando pela janela?

Clay. Que?

Lula. Você não estava olhando para mim na última parada?

Clay. Olhando para você? O que você quer dizer?

Lula. Você sabe o que eu estou falando?

Clay. Eu vi você pela janela...Se for isso que está dizendo. Eu não sei se eu estava olhando. Parece que você estava olhando para mim pela janela.

Lula. Eu estava. Mas apenas quando me virei e vi você olhando através da janela para a minha bunda e as minhas pernas.

Clay. Mesmo?

Lula. Mesmo. Eu achei que você estava apenas limpando a vista. Nada além disso. Correndo sua mente pela carne das pessoas.

Clay. Essa é boa...verdade. Eu admito que estava olhando em sua direção. Mas o resto é seu.

Lula. Eu esperava por isso.

Clay. Olhar através das janelas do metrô é um negócio estranho. Mas estranho que olhar meio sem emoção para bundas abstratas.

Lula. Foi por isso que eu vim olhando pela janela... assim você poderia ter um pouco mais de mim e continuar suas olhadas. Eu até sorri para você.

Clay. Verdade!

Lula. Eu até entrei neste vagão que está indo para outra direção diferente da minha. Andei pelo corredor te procurando.

Clay. Mesmo. Isso é engraçado.

Lula.  Muito engraçado...cara você é um idiota.

Clay. Me desculpe moça, mas eu não estava preparado para um papo mais animado.

Lula. Não você não está. Para o que você está preparado? [guardando o miolo da maça que estava comendo dentro de um paninho Kleines e jogando-o no chão]

Clay. [Tomando a fala dela como mero papo de sexo. Ele se volta para confronta-la exatamente com este objetivo] estou preparado para qualquer coisa. E você?

Lula. [rindo alto e cortando a risada abruptamente] O que você pensa que está fazendo?

Clay. O que?

Lula. Você pensa que eu quero pegar você, te levar para algum lugar para você me comer, é?

Clay. É assim que te parece?

Lula. Você parece que está tentando deixar crescer a barba. É exatamente o que você parece. Você parece que vive em Nova Jersey com seus pais e está tentando crescer a barba. Isso mesmo. Você tem lido poesia chinesa e bebido chá morno e sem açúcar [gargalhando cruzando e descruzando as pernas]. Você parece a morte comendo biscoito cream-craker com Coca-Cola.

Clay. [balança a cabeça de um lado para outro embaraçado e tentando voltar ao normal, mas intrigado pelo que a mulher está dizendo...a dureza afiada da voz dela é como um agradável ruído ritmado quando se caminha]. Mesmo? Eu pareço tudo isso.

Lula. Não tudo isso [disfarçando a seriedade, encobrindo o tom da voz]

Clay. [aliviado rindo mais alto do que era esperando] Jura!? Eu sabia.

Lula. Mas é verdade, a maioria do que disse ...certo? Nova Jersey? Seu pescoço duro certinho engravatado

Clay. Como você sabe tudo isso? Humm? Realmente eu...a respeito de Nova Jersey...e até a barba. Eu já te encontrei antes? Você conhece Warrem Enright?

Lula. Você tentou fazer aquilo com sua irmã quando tinha dez [Clay balança forte contra as costas do acento, seus olhos abertos agora, ainda tentando parecer estar se divertindo]

Lula. Mas eu consegui isso apenas a poucas semanas atrás [ela começa a rir de novo]

Clay. Que você está dizendo? Warren falou isso com você? Você é amiga de Geórgia?

Lula. Eu disse a você que eu minto. Eu não conheço sua irmã. Não conheço Warren Enright.

Clay. Você está dizendo que você está pegando estas coisas no ar?

Lula. Warren Enright é um menino negro magrelo e alto com um inglês e que soa como um telefone.

Clay. Eu achava que você o conhecia.

Lula. Eu não. Eu apenas achei que você deveria conhecer alguém como ele [risadas]

Clay. Legal! Pode crer!

Lula. Você provavelmente está no caminho de sua casa.

Clay. Isso mesmo.

Lula. [Colocando sua mão no joelho mais próximo de Clay, arrastando a mão do joelho até a dobra da coxa, e depois tirando a mão, olhando a face dele de perto, e continuando a rir, talvez agora mais gentilmente do que antes] Bobo, bobo, bobo. Aposto como você está pensando o quanto eu sou excitante.

Clay. Você é interessante.

Lula. Eu estou te excitando agora?

Clay. Claro. Mas não era isso que devia acontecer?

Lula. Como eu vou saber? [ele retorna a mão até a coxa de Clay, e depois tira enfiando-a na bolsa para tirar mais uma maça]. Quer?

Clay. Claro.

Lula. [ela tira uma maça para ela]. Comer maças juntos é sempre o primeiro passo. Ou andar pela sétima avenida deserta lá pelos anos 20 nos finais de semana. [Mordidas e risadinhas bobas, mirando Clay e cantarolando sem muita certeza da letra de uma canção (New York, New York,)]. Você pode se envolver...menino! Heimmmm? [fingindo estar séria] Gostaria de se envolver comigo. Senhor homem?

Clay. [Tentando ser tão frívolo quanto Lula, soprando forte contra a maça] Claro. Por que não? Uma mulher bonita como você. Hummm eu seria um bobo se não aceitasse.

Lula. Eu aposto que você está certo que você sabe o que está dizendo [pegando-o com um pouco de firmeza pelo pulso tanto que ele não pode comer a maça e depois balançando o pulso] eu aposto que você está certo de quase tudo o que ninguém nem lhe perguntou ainda...certo? [Balançando forte seu pulso]. Certo?

Clay. É, certo...Epa, você é bem forte, não é? O que você é, uma lutadora ou algo parecido?

Lula. O que há de errado com mulheres lutadoras? E não responda por que você nunca conheceu nenhuma. Hummmmm [cinicamente]. Com certeza. Eles não têm mulheres lutadoras nesta parte de Nova Jersey. Com certeza.

Clay. Ei você ainda não me disse como você sabe tanto a respeito de mim.

Lula. Eu disse a você. Eu não sei nada a respeito de você...você é um tipo bem conhecido.

Clay. Mesmo?

Lula. Ou no mínimo eu conheço o seu tipo muito bem e o de seu amigo magrelo.

Clay. Anonimamente?

Lula. [Se ajeita no banco, solitariamente pensativa terminando sua maça sussurrando notas de rhythm e blues]. O que?

Clay. Sem nos conhecer especificamente?

Lula. Oh! Garoto [olhando rapidamente para ele]. Que carinha linda. Você sabe que você poderia ser um bonito homem.

Clay. Eu não posso discutir com você a respeito disso.

Lula. [vagamente responde fora de centro] O que?

Clay. [Aumenta sua voz pensando que o trem tinha afogado parte do que tinha tido]. Eu não posso discutir com você.

Lula. Meu cabelo está ficando branco. Um cabelo branco a cada ano e veremos o tipo em que vou me transformar.

Clay. Por que você quer soar assim tão velha?

Lula. Por que isso é sempre gentil quando começa [a atenção levemente se distanciando]

Atada a uma kitnet, dia ou noite.

Clay. O que?

Lula. [retornando à atenção]. Ei, por que você não me leva para a festa que você está indo?

Clay. Você deve ser uma amiga de Warren para saber da festa.

Lula. Não gostaria você de me levar para a festa? [imitando uma trepadeira numa cerca]. Ah, vai, me peça para ir na sua festa.

Clay. Claro que eu vou pedir para você vir comigo para a festa. E eu aposto como você é amiga de Warren.

Lula. Por que não ser amiga de Warren? Por que não? [pegando o braço dele]. Você já havia me perguntado?

Clay. Como posso te pedir se nem sei seu nome?

Lula. Você está falando do meu nome?

Clay. O que é, um segredo?

Lula. Eu sou Lena a hiena.

Clay. A famosa poetisa?

Lula.  Poetisa! Dá no mesmo!

Clay. Bem você já sabe muita coisa de mim.... qual é o meu nome?

Lula.  Morris, a hiena

Clay. A famosa poetisa?

Lula. A mesma. [Rindo e indo pegar algo dentro da bolsa]. Quer outra maça?

Clay. Não faça isso moça. Eu apenas preciso manter um doutor afastado de mim por dia.

Lula. Eu aposto que seu nome é... alguma coisa como.... Gerald ou Walter...hem?

Clay. Deus, não.

Lula. Lloyd, Norman? Um desses nomes de gente negra sem esperança se arrastando por Nova Jersey. Leonard? Gag....

Clay. Like Warren?

Lula. Exatamente como Warren. Ou Everett

Clay.  Gag....

Lula.  Bem por certo não é Willie.

Clay.  É Clay.

Lula.  Clay? Mesmo? Clay do que?

Clay. Adivinha, Jackson, Johnson, ou Williams

Lula. Mesmo? Bom para você. Mas deve ser Willians. Você é muito pretencioso para ser Jackson ou Johnson.

Clay.  Isso mesmo.

Lula. Mas Clay é legal

Clay. Assim Lena...

Lula.  É lula

Clay. Oh?

Lula.  Lula, a hiena.

Clay.  Muito bom.

Lula. [volta a rir novamente]. Agora você diz para mim” Lula, lula, por que você não vai para a festa comigo esta noite?” Agora é a sua vez é só repetir.

Clay. Lula por que você não vai na festa comigo esta noite. Eim?

Lula. Diga meu nome duas vezes antes de perguntar e sem esse “eim”.

Clay. Lula, Lula por que você não vai comigo na festa esta noite?

Lula. Eu gostaria de ir, Clay, mas como você pode me pedir para eu ir quando você me conhece tão pouco?

Clay. Que estranho?

Lula. Que reação é essa? Você tinha que dizer” ah! vem, nós nos conheceremos melhor na festa”

Clay. Isso é muito meloso.

Lula. Em que você está interessado afinal? [Olhando para ele meio ressentida, mas ainda alegre]. O que você está tramando, senhor? Senhor Clay Williams [Segura sua coxa perto da virilha] O que você está pensando?

Clay. Olhe isso está realmente me excitando.

Lula. [tirando sua mão e arremessando o miolo da maça através da janela]. Eu aposto. [ela afunda no assento e está pesadamente silenciosa].

Clay. Eu pensei que você sabia tudo de mim? Que aconteceu?

[Lula olha para ele e depois olha lentamente para longe, e depois para onde o corredor deveria estar. Barulho de trem. Ele alcança sua bolsa e tira um dos livros. Coloca-o sobre as pernas e o abre aleatoriamente passando as páginas. Clay estica seu pescoço para ver o título do livro. Barulho de trem. Lula pula as páginas seus olhos flutuam. Ambos estão em silencio]

Clay. Você vai par a festa comigo, Lula?

Lula. [Chateada e sem olhar]. Eu nem conheço você.

Clay. Você disse que conhecia meu tipo.

Lula. [estranhamente irritada]. Não dê uma de inteligente comigo, babaca. Eu conheço você como a palma da minha mão.

Clay. Esta mão com a qual você come maças?

Lula. É. Esta que eu abro portas no sábado bem tarde da noite. Essa é minha porta. Até o topo da escada. Cinco voos. Sobre um monte de italianos e americanos mentirosos. E esta mesma que limpa cenouras. Também... [olha para ele] a mesma mão que desabotoa meu vestido ou deixa minha saia cair. Mesma mão. Querido.

Clay. Você está zangada com alguma coisa? Disse alguma coisa errada?

Lula. Tudo o que você disse é errado. [Fingindo rir] isso é o que faz você tão atraente. Ah! Em sua jaqueta cheia de botões [mais animada segurando a jaqueta] por que você está com esta jaqueta e essa gravata com todo esse calor? Por que você veste uma jaqueta e um gravata como essa? Seu povo já queimou bruxas ou começou revoluções contra o preço do chá? Garoto, estas roupas estreitas nos ombros vêm de uma tradição a qual você deveria se sentir oprimido. O paletó de três botões. Que direito você tem de vestir um paletó de três botões e uma tira de gravata? Seu avô era escravo, ele não foi para Harvard.

Clay. Meu avô era guarda noturno.

Lula. E você foi para um colégio só para gente negra onde todo mundo pensava que era Martin Luther King.

Clay. Todos menos eu.

Lula. E quem você pensa que era? O que você pensa que é agora?

Clay. [Ri como para iluminar toda a tendência que se configura na conversa] bem no colégio eu pensava que eu era Baudelaire. Mas eu parei com isso.

Lula.  Eu aposto como você nunca pensou que fosse um negro um preto.

[Fingindo seriedade ela ri a plenos pulmões]. Clay está estupefato, mas depois da reação inicial ele rapidamente tenta apreciar o humor. Ele quase chora de rir].

Lula. Um Baudelaire negro.

Clay. Isso mesmo.

Lula. Garoto você é um sentimental. Retiro o que eu disse.

Tudo o que você disse não está errado. É perfeito. Você deveria estar na televisão.

Clay. Você age como se já estivesse na tv.

Lula. Isso porque eu sou uma atriz.

Clay. Eu pensei isso.

Lula.  Bem você está errado. Eu não sou atriz. Eu disse a você eu minto sempre. Eu não sou nada, meu querido, e nunca esqueça isso. [levemente].Embora minha mãe fosse uma comunista. A única pessoa em minha família, a única que prestou para alguma coisa.

Clay. Minha mãe era republicana.

Lula. E seu pai votou no homem mais do que no partido.

Clay. Certo!

Lula. Bom para ele. Pode crer, bom para ele.

Clay. Beleza!

Lula. E tudo de bom para a América aonde ele é livre para votar na mediocridade da sua escolha.

Clay. Pode crer.

Lula. E tudo de bom para ambos os seus pais que embora sejam fundamentalmente do sistema político, criaram uma relação de amor e sacrifício destinada a florescer no nascimento do nobre Clay...Qual seu nome do meio?

Clay. Clay.

Lula. Uma união de amor e sacrifício destinada a florescer no nascimento do nobre Clay Clay Williams. Beleza! E tudo de bom pra você Clay Clay.  O Baudelaire negro. Sim! [com um cinismo cortante] Meu cristo. Meu cristo.

Clay. Obrigado, madame.

Lula. Possa o povo aceitar você como um fantasma do futuro. E amem você, e possivelmente você não os mate quando você puder.

Clay. Que?

Lula. Você é um assassino, Clay, e você sabe disso [sua voz fica tenebrosa e cheia de significado] Por deus você sabe o que eu estou querendo dizer.

Clay. Eu sei?

Lula. Nós queremos que o ar esteja cheio de luz e perfume.

Clay. [cheirando a blusa dela]. Isso está...

Lula. E nós queremos que o povo não veja você. Isto é os cidadãos. E assim você está livre de sua própria história. E eu estou livre da minha história. E nos desejaremos ser ambos, belezas anônimas sendo esmagadas nas entranhas da cidade. [Ele grita tão alto quanto pode]. Que tesão!

 

Fim do primeiro ato.

 

Segundo ato

 

A cena começa como antes, mas há outros assentos visíveis agora. E durante toda a cena outras pessoas entrarão no vagão. Quando a cena começar haverá mais duas pessoas sentadas, mas nem Clay nem Lula perceberam. A gravata de Clay está aberta. Lula está abraçando o braço de Clay.

 

Clay. A festa!

Lula. É, ela será boa. Você poderá vir comigo parecendo casual e cheio de importância. Eu estarei estranha, orgulhosa e em silêncio andando a passos largos.

Clay. Certo.

Lula. Quando você ficar bêbado me dê uma tapinha na cintura e eu te olharei cheia de sinais lambendo os lábios.

Clay. Isso é algo que a gente pode fazer.

Lula. Você irá falar com os homens jovens a respeito de sua mente e aos homens velhos a respeito de seus planos. Se você encontrar um amigo próximo que esteja com alguém como eu, a gente pode ficar junto bebericando nossos drinks e trocando códigos de desejo intenso. A atmosfera estará deslizando em amor, quase-amor e muita aberta para decisões morais.

Clay. Ótimo, perfeito.

Lula. E todos dirão que não conhecem seu nome e depois... [numa pausa longa] mais tarde quando eles puderem eles dirão que são seus amigos, o que irá denegrir seu caráter nobre e importante.

Clay. [beijando seu pescoço e seus dedos da mão] e depois?

Lula. Depois?  Bem depois nós iremos rua abaixo, noite alta, comendo maças diretamente, deliberadamente, para a minha casa.

Clay. Deliberadamente?

Lula. Quero dizer, nós olharemos para as vitrines das lojas, e gozaremos os gays. Talvez a gente encontre um judeu budista e faremos pouco de seus conceitos enquanto tomamos um cafezinho.

Clay. Em honra a que deus?

Lula. Meu deus.

Clay- Que é...?

Lula. Eu...e você?

Clay. Uma divindade empresarial.

Lula.  Exatamente. Exatamente [ela nota uma outra pessoa entrando no vagão].

Clay. Continue com a sua crônica. Depois o que acontece conosco?

Lula. [um pouco deprimida, mas ela ainda faz sua descrição de modo triunfante e cada vez mais direta] para minha casa, claro.

Clay. Claro.

Lula. Diretamente acima, nos degraus do meu kitnet.

Clay. Você vive num kitnet?

Lula. Eu não viveria em outro lugar. Me lembra de minha nova forma de insanidade.

Clay. Subindo os degraus para o kitnet.

Lula.  E com a minha mão que come maçãs eu abro empurro a porta e guio você, minha doce pressa de olhos grandes, para o meu... deus como digo isso...para a minha caverna.

Clay. E depois o que ocorre?

Lula. Depois de dançar e brincar, depois de muitos drinks e longas caminhadas a verdadeira diversão começa.

Clay. A verdadeira diversão. [embaraçado com ele mesmo] A qual é...?

Lula. [rindo dele] Diversão real na casa escura, Ah! A verdadeira diversão da casa escura, acima da rua e dos cowboys ignorantes. Eu guio você segurando sua mão úmida gentilmente....

Clay. Qual não está úmida?

Lula. Aquela que é seca como as cinzas.

Clay. E fria?

Lula. Não pense que você se livrará de sua responsabilidade deste jeito. Não está tão fria assim. Seu fascista! Dentro de meu escuro quarto. Aonde sentamos e falamos sem fim.

Clay. A respeito do que?

Lula. Do que? A respeito de sua condição de homem, o que você acha? O que você acha que estamos conversando todo este tempo até aqui

Clay.  Bem eu não pensava que era isso. Mesmo. Qualquer coisa menos isso. [notando outra pessoa entrando, olha rapidamente, quase que involuntariamente para cima e para baixo do corredor vendo as outras pessoas no vagão]. Olhe eu nem vi quando estas pessoas entraram.

Lula. É, eu vi.

Clay. Cara o metro está muito devagar.

Lula. É, eu vi.

Clay. Bem vá em frente. Nós estávamos falando a respeito de minha condição humana.

Lula. Nós estamos. Durante todo o tempo.

Clay. Nós estávamos em seu quarto.

Lula. Meu escuro quarto. Falando sem parar.

Clay. A respeito de minha condição masculina.

Lula. Eu farei um mapa de você. Tão logo nos cheguemos a minha casa.

Clay. Bem isso é ótimo.

Lula. Uma das coisas que faremos enquanto falamos e trepamos.

Clay. [tentando ampliar seu sorriso sem tremê-lo]. Nos finalmente chegamos lá.

Lula. E você dirá que meu quarto é escuro como um túmulo. Você dirá” sua caverna parece o mausoléu de Julieta”

Clay. [rindo]. Eu bem poderia.

Lula. Eu sei. Você provavelmente dissesse isso antes.

Clay. E isso é tudo? A grande viagem.

Lula.  Não ainda. Você me dirá muito perto do meu rosto muitas e muitas vezes você dirá, até sussurrando que me ama.

Clay. Talvez eu diga.

Lula. E você estará mentindo.

Clay. Eu não mentiria a respeito de uma coisa assim.

Lula. Ah! Isto é o único tipo de coisa que você mentiria. Especialmente se você pensar que isso me manteria viva.

Clay. Manter você viva? Essa eu não entendi.

Lula. [arrebentando de rir, mas de maneira intensa e aguda]. Não entende? Bem não olhe para mim. Este é o caminho que eu tomei, apenas isso. Aonde meus pés vão é aonde eu os colocar. Um na frente do outro.

Clay. Que mórbido. Estas certa de que não és uma atriz? Todo esse glamour.

Lula. Eu disse a você que não era uma atriz..., mas eu também disse que eu minto todo o tempo. Tire suas conclusões.

Clay. Mórbido bem mórbido. Você está mesmo certa de que não é uma atriz? Parece tudo ensaiado? Existe mais alguma coisa?

Lula. Eu te disse tudo que eu sei. Ou quase tudo.

Clay. Aonde estão as partes engraçadas?

Lula. Eu pensei que tudo isso era engraçado.

Clay. Mas isso parece bem excêntrico.

Lula. Você não sabe o que eu quero dizer.

Clay. Bem me diga o resto. Você disse quase tudo. O que mais? Eu quero a história toda.

Lula. [buscando coisas em sua bolsa. Ela começa a falar sem respirar com um tom leve e parecendo idiota]. Todas as histórias são histórias inteiras. Todas elas. Nossa história...nada a não ser o que muda. Como poderiam as coisas acontecer assim para sempre? Hem? [Bate no ombro dele e começa a achar coisas dentro da bolsa pegando e jogando-as sobre os ombros dela no corredor do vagão]. Eu aconteço quando eu faço. Maças e longas caminhadas com amantes inteligentes e imortais. Mas você misturou as coisas. Olhando pela janela todo o tempo. Mudando as páginas. Mudança, mudança, mudança. Merda, ainda não conheço você. Não seria por esta razão. Você é muito sério. Aposto que você é até sério demais para fazer análise. Tal qual os poetas judeus do Yonkers (subúrbio de Nova York) que deixam suas mães procurando por outras mães, ou outras mães e seus seios caídos onde eles descansam suas cabeças confusas. Seus poemas são divertidos, sempre falando de sexo.

Clay. Eles parecem ótimos. Como se fossem filmes.

Lula. Mas você muda. [silencia] E as coisas trabalham sobre você mesmo para que você as odeie.

[Mais gente entra no vagão. Eles ficam mais próximo do casal, alguns deles ficam em pé observando-os sem interesse]

Clay. Olha. Toda essa gente assim de repente. Eles devem ter vindos todos do mesmo lugar.

Lula. Certo. Eles fazem isso.

Clay. Ah? Você também sabe sobre eles?

Lula. Com certeza.  Mas do que eu sei sobre você. Eles te assustam?

Clay. Me assustar? Por que eles me assustariam?

Lula. Porque você é um escravo fugido.

Clay. Mesmo?

Lula. Porque você veio se arrastando pela cerca e fazendo um caminho até mim.

Clay.  Cerca?

Lula. Eles não têm cercas ao redor dos latifúndios?

Clay. Você deve ser judia. Tudo que vocês pensam é a respeito de cercas. Grandes plantações não tinham cercas. Os plantations eram grandes espaços limpos pelos brancos como se fosse o paraíso, e todos gostavam de estar lá. Só tocando e cantarolando durante todo o dia.

Lula. Sim, sim.

Clay. E assim nasceu o Blues.

Lula. Pode crer. Assim nasceu o blues.

[Lula começa a inventar um som que se torna rapidamente histérico. Ele começa a cantar e se levanta do seu acento, arremessando suas coisas no corredor, começando a tremer e balançar e assim ela vai e volta pelo corredor, esbarrando nas pessoas chutando os pés daqueles sentados. E cada vez que ela avança para uma pessoa ela termina revelando um pouco da sua profanidade, balançando de um lado para o outro e parando toda hora].

Lula. E assim o blues nasceu. Pode crer. Sai da minha frente filho da puta. Sim. Farsante. Sim. E assim o blues nasceu. 10 negrinhos sentados num galho e nenhum deles nunca me olhou como este aí. [aponta para Clay, retorna para seu acento com suas mãos estendidas para ele para que ele se levante e dance com ela] E assim nasceu o Blues. Sim. Venha Clay. Vamos fazer uma sacanagem. Ralar o bucho. Vem fazer o rala-bucho.

Clay. [com as mãos recusando o convite]. Ele está embaraçado, mas determinado a mandar todo as formalidades para a merda]. Ei, o que tinha nestas maças? Espelho, espelho meu, qual o mais justo de todos? A Branca de neve, querida e não se esqueça disso.

Lula. [Agarrando as mãos dele e ele as retirando do alcance dela]. Venha Clay. Vamos ralar o bucho no trem. Sacanagem. Muita sacanagem. Faça essa rebolada forte tal como sua mamãezinha com panos na cabeça. Rebole até você perder a cabeça. Se balance, balance, balance. Lindo! Vem Clay. Vamos deslizar pelo trem. Roçando nossos umbigos.

Clay. Veja você está parecendo a mulher que queimou a própria saia.

Lula. [começando a se aborrecer porque ele não vem dançar e ficando mais animada em envergonhá-lo ainda mais] Vem Clay vem...Vamos fazer gostoso. Hu! Hu! Clay! Clay! Seu babaca negro de classe-média. Esqueça sua mãe, a classe trabalhadora por alguns segundos, e vamos distribuir umas porradas. Clay seu branco de lábios cor de fígado. Você poderia ser cristão. Você não é negro. Você é simplesmente um merda de um homem branco. Levante-se Clay. Dance comigo, Clay.

Clay. Lula! sente-se agora. Acalme-se.

Lula. [imitando-o num tipo de dança bem sensual]. Se acalme, se acalme. É tudo o que você sabe...passar esse creme oleoso na sua cabeça confusa, jaqueta abotoada até a boca, tão cheia das palavras dos homens brancos. Cristo. Deus. Levante-se e grite com essas pessoas. Grite qualquer merda nestas faces sem esperança. [ela grita com as pessoas ainda dançando]. Trens vermelhos expelindo as roupas de baixo dos judeus. Expandindo o cheiro do silencio. Um novo rico arrogante assobiando como uma gaivota. Clay. Clay, você rompeu com isso. Não fique aí sentado morrendo do jeito que eles querem que você morra. Levante-se.

Clay. Se sente porra. [Ele se move para impedi-la]. Senta caralho.

Lula. [fugindo do alcance dele]. Foda-se você. Tio Barnabé cabeça de vento. [começa a dançar um tipo de dança imitando Clay com um humor não natural]. Existe um tio Barnabé...quero dizer tio Barnabé da cabeça de vento. Com uma crina de cabelos brancos. Ele manca usando sua bengala de madeira. Velho barnabé. Velho Barnabé. O homem branco comeu sua mãe. Ele se arrasta dentro do mato e esconde sua cabeça branca. Velho barnabé cabeça de vento.

Clay. Lula! Lula!

[Ela está dançando e se virando e gritando tão alto quanto ela pode. Um bêbado começa também a gritar e a balançar suas mãos como louco]

Clay. Lula....sua piranha estúpida. Por que você não para com isso? [Ele se apressa, meio caindo de seu acento, para agarrar um dos braços dela que balançava]

Lula. Me deixa! Seu negro filho da puta [ela luta com ele]. Me deixe, sai daqui socorro! [Clay está arrastando-a para a cadeira e o bêbado tenta interferir. Ele agarra Clay pelos ombros e começa a lutar com ele. Clay se livra dele sem soltar Lula, que ainda está gritando. Clay finalmente a traz para o assento dela e a joga no assento].

Clay. Agora você cala a merda da sua boca. [agarrando os ombros dela] Só cale a boca. Você não sabe o que você está falando. Você não sabe nada. Só mantenha essa boca estúpida calada.

Lula. Você está com medo das pessoas brancas. Como seu pai. Tio barnabé dos beiços grossos. [Clay dá um tapa na cara dela o mais forte que pode pegando na boca. A cabeça dela bate na parte de traz do assento. Quando ela levanta ele dá um tapa nela novamente].

Clay. Agora cale essa boca e me deixe falar.

[ele se volta para as pessoas do vagão alguns sentados na beira de seus assentos. O bêbado esta´ com um joelho no chão coçando sua cabeça, e cantando uma mesma canção. Ele se cala quando vê Clay olhando para ele. Os outros voltam aos seus jornais ou olham pela janela]

Clay. Merda, você não tem nenhum senso Lula, nem sentimentos. Eu poderia te matar agora. Sua pequena e estupida garganta. Eu poderia te estrangular e olhar você ficando azul e bem humilde. Boa para uns chutes. E todos esses branquelos com cara de fracos encolhidos aqui ao redor, olhando para mim por sobre os jornais. Eu os mataria também. Até mesmo se eles esperassem por isso. Aquele homem lá.... [apontando para um homem bem vestido (aponta para pessoa na plateia)]. Eu poderia arrancar o seu jornal de suas mãos. Magro e classe-media como eu sou, eu poderia rasgar o jornal tão facilmente como poderia rasgar sua garganta. Isso não é difícil. Para que? Matar estes doces idiotas? Você não entende nada a não ser luxuria.

Lula. Seu imbecil!

Clay. [Empurrando-a para o assento]. Não falarei com você de novo. Só pensas em dinheiro. Luxuria. Na sua face nos seus dedos. Você me dizendo o que eu tenho de fazer. [de repente grita assustando todo o vagão]. Não! Não me diga nada! Se eu sou um falso homem branco de classe média.... Deixe me ser o que for. E deixe me ser do jeito que quero. [falando através dos dentes]. Eu poderia arrancar seus ricos seios fora. Me deixe ser o que eu sentir que quero ser. Tio Barnabé. Quem quer que seja. Isso não é da sua conta. Você não sabe de nada a não ser as coisas que estão lá para você ver. Atos. Mentiras. Armadilhas. Não há um coração puro, um coração negro pulsando. Você nem sabe o que é isso. Eu me sento aqui com meu paletó abotoado me segurando para não cortar todas as suas gargantas. Eu quero dizer sem remorso. Sua grande piranha devassa. Você trepa com alguns homens negros e instantaneamente você já é uma expert em pessoas negras. Que merda é essa. A única coisa que você sabe é que você gosta quando ele te encoxa forte o bastante. E isso é tudo. Rala-bucho? Você quer um rala-bucho?  Porra você nem sabe como fazer isso. Você nem sabe. Toda essa merda que você faz balançando, esta tua bunda como um elefante. Este não é o meu rala-bucho. Rala-bucho não é para rainhas. Ralar o bucho se faz em lugares escuros, o chapéu e o casaco em um dos braços. Rala-bucho odeia você. Velhos carecas branquelos quatro-olhos fazendo barulho com seus dedos...e você não sabe o que eles estão fazendo. Eles dizem “Eu amo Bessie Smith (Cantora de Jazz norte-americana)”. E nem entendem o que Bessie Smith está dizendo, “Beija a minha bunda, beije minha bunda indisciplinada”. Antes do amor, sofrimento, desejo, qualquer coisa que você pode explicar, ela está dizendo, muito claramente, “Beije o meu rabo”. E se você não sabe isso, é por que está beijando. Charlie Parker? Charlie Parker. Todos estes carinhas brancos moderninhos gritam pelo “Pássaro” (Apelido de Charlie Parker). E o pássaro está dizendo “Beije o meu rabo, branquelos de mente fraca! Aqui, no meu rabo”. E eles se sentam lá comentando o gênio tortuoso de Charlie Parker. O pássaro não tocaria nem uma nota se ele pudesse simplesmente andar entre a sexta e sétima rua da zona leste e matar os dez primeiros brancos que ele visse. Nem uma nota. E eu sou um grande poeta inédito. Pode crer! Poeta. Este tipo de literatura babaca.... tudo o que você precisa é de uma simples facada. Me deixe apenas te sangrar, prostituta barulhenta e um poema se perderia. Um bando de gente neurótica lutando para se manter normal. E a única coisa que poderia curar vocês seriam o seu assassinato. Simples assim. Quero dizer que se eu matasse vocês então outras pessoas brancas começariam a me entender. Você me entende? Não. Acho que não. Se Bessie Smith tivesse matado alguns brancos ela não precisaria da música. Ela poderia dizer tudo que pensa clara e diretamente a respeito do mundo. Sem metáforas. Sem grunhidos. Sem rebolar no escuro da alma dela. Simplesmente como dois e dois são quatro. Dinheiro. Poder. Luxuria. Isso mesmo. Todos juntos. Negros loucos dando as costas para a sanidade. Quando tudo o que se precisa é um simples ato. Assassinato. Só o assassinato faríamos nos saudáveis. Seguro de minhas palavras e sem mortes, com clareza e profundas ideias que me pedem novas conquistas. A loucura da minha gente. Ah! Essa é para rir. Minha gente. Eles não precisam de mim para pedir por eles. Eles têm pernas e braços. Insanidades próprias. Eles não precisam de todas essas palavras. Eles não precisam de nenhuma defesa. Mas ouçam uma coisa mais. E diga isso ao seu pai, que provavelmente é o tipo de pessoa que precisa saber disso. Assim ele pode se planejar. Diga a ele para parar de fazer sermões sobre o racionalismo e a lógica fria para esses negros. Deixe-os sozinhos. Deixe que eles cantem maldições para você em código e vejam o seu vazio como simples falta de estilo. Não cometam o erro, através desta irresponsável e repentina vontade de caridade cristã, de tanto falar das vantagens do racionalismo ocidental, ou do grande legado do homem branco, e assim talvez eles comecem a escutar. E então, talvez um dia, você ache que eles estão entendendo exatamente o que você está dizendo para todas estas pessoas e suas fantasias. Toda essa gente triste. E neste dia, tão certo quanto toda essa merda, quando você realmente acreditar que você pode aceitá-los dentro do seu cativeiro, como pessoas quase-brancas e confiáveis, mas os últimos dos sujeitos. Sem mais blues, com exceção dos antigos, sem nenhuma melancia a vista, o grande coração missionário triunfará, e todos estes escravos se levantarão como homens ocidentais, com os olhos para vidas limpas, seguros e úteis, sóbrios, devotos e sãos e sim, eles matarão vocês. Eles matarão vocês e terão explicações bem racionais para isso. Muito parecido com o que vocês fazem. Eles cortaram suas gargantas, e arrastarão vocês até as margens das suas cidades pra que a carne se separe dos ossos e fiquem num aterro sanitário.

Lula. [A voz dela está diferente, com uma qualidade de homem de negócios]. Eu já ouvi o suficiente!

Clay. [Alcançando seus livros] Aposto com você que sim. Eu acho melhor juntar minhas coisas e sair do trem. Parece que nós não atuaremos naquele espetáculo-show que você vinha descrevendo momentos atrás.

Lula. Não. Não faremos isso. Você está certo a respeito disso, pelo menos isso.

[Ela se vira para olhar rapidamente para o resto do vagão] Beleza! [os outros respondem com a cabeça]

Clay. [Se dobra na frente da moça para pegar de volta seus pertences] Me desculpe, baby, eu realmente acho que não faríamos aquilo.

[como ele está se curvando sobre ela, a moça tira uma pequena faca e enfia no peito de Clay. Duas vezes. Ele cai sobre seus joelhos, sua boca estupidamente aberta].

Lula. Desculpe é a palavra certa [se voltando para os outros no carro que agora tinham levantado de seus acentos]. Desculpe é a coisa mais certa que você disse. Tirem esse homem de mim. Agora, rápido [os outros vêm e tiram e arrastam o corpo de Clay para fora pelo corredor]

Lula. Abrão a porta e joguem este corpo fora. [eles o jogam para fora]

Lula. E todos vocês foram na próxima parada.

[Lula se ocupa de endireitar as coisas dela. Colocando tudo em ordem. Ele pega um caderno de notas e faz uma rápida anotação. E coloca o caderno na bolsa. O trem para que todos saltem deixando-a sozinha no vagão. Logo entra no vagão um jovem negro com seus vinte anos, com alguns livros debaixo do braço. Ele se senta a alguns assentos atrás de Lula. Quando ele se senta, ela se volta para ele e lhe dá uma longa e lenta olhada. Ele olha por sobre o livro e o coloca no seu colo. Depois um velho condutor entra no carro, com um andar contido e suave, e meio que sussurrando as palavras de alguma canção. Ele olha para o homem jovem, rapidamente, com um rápido gesto de saudação]

Velho Condutor. Olá, irmão!

Homem jovem. Olá.

[O condutor continua pelo corredor com sua pequena dança e cantarolando uma canção. Lula se vira para mira-lo e o segue os movimentos dele pelo corredor. O condutor levanta o chapéu quando ele chega ao assento dela, e continua andando até sair do carro].

 

FIM.


Gastronomia e Poesia

Decisão tomada em família: será servida nos cafés da manhã a mais bela poesia desta e de outras terras Para harmonizar a novidade infinita d...