Você desperta em você
pensa através de você
Quiça a verdade universal é sua também
Tua sombra te segue
teus julgamentos te espelham
Seus problemas são todos seus
Ninguém tem nada haver com eles
(como dizia Mario Quintana)
Você tem uma alma e livre-arbítrio
Você é datado
Tem identidade, CPF
conta de luz para pagar
Foto arquivada para dizer
que você é cem vezes você
Uma selfie no WhatsApp
Você é digital logo eterno:
inarredável você
Enquanto a cabeleireira esticava uma mecha de fios (uns 20 centímetros) para corta-la rente aos seus dedos, um ano se passava numa contagem de contágios e mortes. O tempo poderia ser medido a partir da raiz até ponta dos cabelos. Ainda restou um pouco de alegria para comemorar o ano novo? O tempo fez em mim cabelos brancos de medo, apreensão, dúvida e esperança. Fiquei mais grisalho e consciente dos estratagemas, cenários e narrativas. Atento aos discursos dissonantes, mentiras elaboradas, e autoenganos. A crueldade e vileza conviveu com a extrema coragem e o altruísmo. Um ano de extremos humanos fez aniversário neste janeiro de 2021, que não nasceu ainda. O povo brasileiro lutou para atravessar este ano porque era luta conhecida de um cotidiano à beira do caos: 200 mil mortes e contando. Nem precisa ser sociólogo para saber onde o coronavirus ceifou vidas do modo mais desumano. Os cabelos vão caindo sobre o manto branco. Caem os meses e os dias sobre a memória, e caem as ilusões, sonhos e madrugadas sem sono. A maior conquista do ano, que não terminou ainda, é finalmente entender que “crise”, em chinês, não significa oportunidade, mas coragem de ver claro a realidade, que aqui estava durante todo o tempo.
A chuva vem chegando
nuvens escuras no horizonte
a temperatura cai
o vento frio assovia pelas quinas
Os foles da sanfona do clima aceleram
o ritmo do espetáculo sombrio
A chuva vem chegando
o maior receio chega com a tormenta
aquele que esperavas a meses
a pior noticia, o resultado negativo
enfim confirmado ao rufar da tempestade
A chuva virá sobre as nossas cabeças
Para nos humilhar?
Para lavar da verdade toda ilusão?
Mas ela ao final não veio...
Em seu lugar a brisa fresca de janeiro
alivia o atrito do ano que chega
em meio a uma pandemia
