O Grande Espelho Mágico

Acima nos céus 

a fileira de todos os números já pensados

Quando os números naturais foram criados

pelos árabes que contavam estrelas 

Não sabiam eles estar contando a si mesmos 

a mais bonita história do planeta

estrelas, super-novas, buracos negros

cinturões de asteroides, cometas

meterioritos, planetas, galaxias

A conta não tem fim

qualquer aposta é valida

neste enorme espelho dos céus

Todas as probabilidades estatisticas

todos os sonhos e desejos

estão no imenso quadro de possibilidades

A unica limitação é não abrir os olhos

para ver com cósmica clareza

a dádiva de viver e ser vivido

Se todos os tempos e espaços

estão no céu a dizer

que tudo que acontece já aconteceu

ou ainda vai acontecer

A tomada de consciência do tempo

amplia o céu e a terra

Nascer e morrer

Quando eu nasci

o mundo já havia nascido

Senti os efeitos de Montesquieu

nos meus progenitores funcionários públicos

Ah! o estado e sua reverberações

Não me importava a cidadania e a geopolítica

Nem mesmo a chegada do homem a lua

que deve ter me divertido

quando eu não era

Eu existia apenas nos sonhos do mundo

em algum lugar algum

o modernismo, o socialismo, o neoliberalismo

eram enquanto eu não era

Monet, Freud, Nero, Spinosa, Merlo-Ponty

eram enquanto eu não era

Vivo o agora sobre o que construiram

enquanto eu me desconstruo 

Quando as grandes navegações singravam os mares

ampliando a presença europeia

a minha não existência nem percebia

os cheiros das especiarias do colonialismo

Quando eu morrer

a vida espacial estara definitivamente incorporada

em cada vida terrestre

Satélites já são as novas geladeiras

Quando eu voltar a não existir

antigas mazelas vestirão roupagens novas

para contar a mesma história da exclusão

Mas o agir pelo não agir estará muito difundido

assim como o Taichi e os aplicativos chineses

Sempre foi loucura desejar pelo desejar

Spinosa será redescoberto depois de Nietzsche

para serem soterrados outra vez

em montanhas de informação e divertimento

O Gato de Bruno Latour

Um poeta vive de enigma em enigma

Tenho pensado nos mundos dentro

deste mundo e de outros mundos

Aviso:

Ainda não  li o artigo de Bruno Latour

de que não habitamos o mesmo planeta

e sobre essa brincadeira de Babuskas

uma dentro da outras

ao mesmo tempo distintas

Mas eu li o gato Bruce Lee

se debatendo dentro dos limites

de uma caixa de papelão

Ele me diz que um mundo

com todas as disciplinas de Descartes

interage ali com ele

em uma luta sem quartel 

pelo dominio do corpo, do espaço

Essa luta alegre e potente

do exíguo espaço da caixa

tem história, contexto, conflito

esquecimento, e futuro

Todas as dimensões

foram testadas pelo gato Bruce Lee

Perpectivismo Ameríndio

No sentir ameríndio

(sentir é o primeiro pensamento)

animais de estimação cuidam

de animais de estima e vice-versa

Não se qualifica a estima

pois tudo que respira e sente

é gente:

as gentes desse mundo

Em relação umas com as outras

seja de trás para frente

ou de baixo para cima

(ou vice-versa)