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sexta-feira, 18 de julho de 2014

Sampa é luta

Para cada Golias
um Davi na sinuca
na bola, na esquina
no bar, na igreja
no canto, na oficina
leva de boa
na mão, na rima
não foge da raia
na sala, no campo
vai levar na justiça
vai sorrir, escrever
não é mentira
nem curva fora da linha:
Sampa é luta 

XL: pequenos poemas para uma grande Lisboa

XL

Pequenos poemas para uma grande Lisboa








Osmar Coelho Filho




Prefácio

Estes pequenos poemas ficaram guardados, maturando. Vinho tardio, eles nascem das inspirações (e expirações) que tive ao visitar Lisboa e suas cercanias. Envergonhei-me do desconhecimento que tinha da antiga metrópole. Ao caminhar por Lisboa fui tropeçando de surpresa em surpresa. Arremessado no tempo, voltei séculos, milênios. Reencontrei-me nesses 15 dias que vivi na cidade, no mês de julho de 2012. Presto minha homenagem à Lisboa nestes 15 pequenos poemas.

Agradeço também a hospitalidade e a amizade da cravista Joana Bagulho, que me inseriu em sua comunidade de músicos, e nos recantos de sua cidade. Reencontrei-me com a sonoridade do cravo, que escutei na adolescência, e que deixou em mim uma saudade misteriosa. Lisboa é feita destas saudades e futuros.

Em 1755, Lisboa foi atingida por um grande terremoto seguido de um maremoto, que transformou o temor cristão do fim dos tempos em  realidade. Reconstruída, Lisboa mantém a magia de ter sido o centro do mundo, em especial no bairro dos imigrantes, a Mouraria. Ouvir ali as conversas em português, dos mais diferentes povos do planeta, faz penetrar em algo desconhecido e familiar.

Este livreto foi tecido ao som de Joana ao cravo, em seu cd “Acção”, onde interpreta a obra do grande violonista português Carlos Paredes.





I.

Vozes anunciam sobre os telhados:
A moda é internacional
Os comitês de Milão, Tóquio e Nova York
oferecem-nos soluções quadriculadas
Não necessitas combinar, trocar, escolher
vestidos, camisas e saias...
O verão lisboeta é um tabuleiro de xadrez














II.

Subir pelas paredes
Buscar no alto
o que está mais adentro
dos belos azulejos
das conversas cochichadas
das incontáveis estórias de Lisboa














III.

Não há quem veja a floresta
quando do alto da montanha
surge no céu o Castelo da Pena
pousado no verbo ver












IV.

Giram no vento
as torres do castelo da Pena
Têm pena do passado
do futuro que das torres do tempo avista-se:
Oceano











V.

Por um processo natural e muito humano
as montanhas de Cintra
sofrem uma metamorfose temporal
O castelo Mouro flutua num remanso... 
Nuvens velozes correm ao litoral












VI.

meu olhar é carinhoso:
vento que arredonda as pedras













VII.

Santidades e trindades da Igreja
aos Árabes parecia condenável magia
Conversar com  gênios
coisa de Orixás e guias
aos Cristãos valia o pecado capital
embalado pela sedução musical
de todos os santos africanos
Era o tempo do exótico, do proibido
do desconhecido pelos sagrados livros














VIII.

É preciso ouvir o instrumento 
que abraça o cravo
para que as palavras que dele murmuram
murmure primeiro em quem sabe tocá-lo
É preciso falar com o instrumento 
que experimenta o cravo
para que a música que dele ecoa
ecoe primeiro em quem sabe escutá-lo
É preciso dialogar com o instrumento 
que conhece o cravo
para entender a língua antiga
com a qual eles falam
É preciso degustar o instrumento
que no cravo descansa
para que os temperos de Lisboa
temperem partituras e lembranças
É preciso sentir o instrumento
que o cravo adorna
para com ele tecer a música
que o cravo adora







XIX.

Os muros da cidadela de Óbidos
separam-me do azul
Apoiado em ombros rochosos
vejo a torre do Castelo a sofrer
ataques bárbaros de andorinhas











X.

Do Barreiro ao Terreiro do Paço
embarcado vai o menino Léo
Filho do açougueiro de Cabo Verde
está atento à distração alheia ou estrangeira
pronto a colher o que cai da mesa lisboeta










XI.

os peixinhos da fonte
do convento dos Templários de Tomar
estão vermelhos de alegria












XII.

A luz preguiçosa do sol
fatia a casa portuguesa:
o quarto, a sala, o banho...










XIII.

A caravela retorna à antiga colônia
O Rio de Janeiro entra por centenas de janelas
Ilumina no corpo e na voz
um Camões envergonhado











XIV.

Do Rio, vejo o mar
que me leva a Lisboa
De Lisboa, tão largo mar
conduz o olhar
aos aposentos do rei
Ontem, enorme boca do Tejo
Hoje, baia da Guanabara
Sorvem o tempo
as capitais do antigo império
abraçadas de um abraço líquido 
dissolvido no mar









XV.

O poeta caminha pela Mouraria...
Africanos, Indianos, Paquistaneses
negociam o português
Ele é do Timor Leste
Ela é da China mas a conversa é em inglês
O bonde Carrera 28 já vai partir
para mais uma viagem ao redor do mundo
onde Lisboa acabou
em 1755





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