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quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Meu pé direito

Para que serve um pé, o direito? Tanto quanto o esquerdo servem para dar direção na vida. Quando torcemos o pé, no caso o direito, perde-se a direção, e é  facultado ao contundido o direito de descansar do trabalho, e subir numa montanha (mancando ou com muleta) para ter uma visão ampla do ambiente e no futuro decidir para onde ir. Mas antes disso, é facultado aquele que se trumbicou dias de descanço com o pé para cima. Compressas frias, de início, e quentes depois, nessa ordem. A internet fornece diagnósticos e o paso a passo da recuperação, bem como fotos e filmes a respeito a estrutura do pé. Isso me lembrou uma foto de um catedral na Colombia feita de bambu, terra e cordas. Com certeza, o arquiteto deve ter torcido o pé no futebol, ficou dias parado, de molho, e entendeu a maravilha de 26 ossos do pé amarrados e preenchidos por músculos. Não há engate, mas encaixe por sobreposição com ligamentos e fibras, como a fascia, formando um conjunto articulado que permite inúmeros movimentos ao meu e ao seu pé direito (ou esquerdo). Com paciência, logo o pé direito estará tomando a direção certa, voltará a chutar uma bola, a correr pela praia mas esquecerá, que é parte de uma arquitetura criativa e natural.

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

De Fotografia e Poesia

Uma bruxa me disse que eu era uma alma velha. Uma abuelita de Cuzco me disse que "tienes energia de papa". Eu não tenhos filhos e parece que sou uma alma velha e paternal. Cuido de ideias, poemas e gatos, mas não gosto de sorrir nas fotografias, a não ser que a fotografia me sorria. Não gosto de "selfies" que " me dá igual". Até 1960, fotografia era coisa sem sorrisos. Não substituia a vida. Era o registro em duas dimensões de uma realidade enquadrada e atemporal. Depois a vida seguia seu curso normal. Hoje, a fotografia deseja substituir a realidade. E o cinema? Ainda resiste na fuga saudável das fotografias em movimento existindo livres da exigência dos padrões. Eu gosto de haikus japoneses, estes anzois de imagens que capturam em tres lances rápidos o que a realidade quer dizer. Se houvessem regras as fotografias seriam tiradas apenas quando a realidade quisesse se expressar. Ou seja, a partir da perceção daquele instantâneo, novas realidades poderiam ser criadas. Em priscas eras a fotografia era a ferramenta do instante. Não era essa imposição constante: impostura popular e acessível. Neste jogo de espelhos a coisa se perde da imagem.



quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Capoeira Sideral

O estribilho do berimbau

sobe aos céus tisnado dos sons

de atabaques, pandeiros e agogôs

Atravessam as camadas de ar

chegam na matéria escura 

que se abre à imensidão imperscrutável

Dali começam a longa jornada 

ao universo insondável

Quem poderá afirmar

que não criarão em algum lugar

um novo big-bang

uma nova expansão de prótons e energia?

É o que fazem nas rodas de capoeira

do planeta Terra

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Atrás de Cora

Atrás de Cora

só não vai quem já morreu

Garota esperta vê o que vai atrás

ou na cara do poeta

Ela não leva nem traz

só quer saber o que pode dar certo

mas o poema tem licença poética

aquele toque do criador

que faz do pobre erro gramatical

uma arte imortal

A língua é viva

acha jeito de grafar

o quase certo

pois errar com gosto é divertido:

è a alma do sucesso


sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Meias ou Cuecas? Feliz Natal!

É Natal! Nas camadas mais profundas do ser, é tempo de escolhas. As boas serão um dia presenteadas. As más pagarão seu preço no peso arrastado durante os anos. Meu pai me dava sempre duas opções: "Você quer meias ou cuecas?". A escolha não era minha, era dele. Ele deveria saber o que era melhor para mim. 

É preciso dizer que foi um homem bom, e educado. Dentista e advogado, que emigrou do estado do Maranhão para Brasilia. Fez seu mestrado no Rio de Janeiro, deu aulas em São Luis, e amava o Brasil. Se revoltava com os maus políticos, e os maus empresários que não cuidam do povo, que não lutam por uma vida melhor para todos. Seus defeitos nasciam do exagero de suas qualidades. Era um ser autêntico.

Ano após ano, próximo ao Natal, ele soltava a fatídica frase: "Você quer meias ou cuecas?". Isso só poderia ser mesmo uma brincadeira. Meu pai me cobrava boas notas na escola, eu me esforçava para trazê-las, e no natal lá vinha a mesma interrogação anunciando as mesmas opções. Não saberia meu pai o que um menino de 10 anos deseja, o que um adolescente de 15 anos anseia, o que busca um jovem de 20 anos na universidade? Meias ou cuecas?

Se ele fosse um mestre zen-budista, este seria um perfeito "koan" ou charada, que o discípulo se esforça, medita, matuta, mas nunca chega a resposta. Não estou exagerando. A mesma frase era repetida anualmente um pouco antes do dia 25 de dezembro. Hoje, eu vivo na cidade de Natal e o Natal se aproxima, e meu pai não está mais entre nós. 

Ele seria a minha escolha definitiva: meu pai de volta, nem que fosse na noite de Natal deixando presentes debaixo da cama na manhã do dia 25...cedo entendi, que o Papai Noel era o meu pai, e era maravilhoso saber, que meu pai tinha um cargo tão importante.

Depois do almoço fui ao shopping com Andrea para comprar cuecas. Súbito sou atravessado pela enigmática frase: "Você quer meias ou cuecas?". Confesso ao vendedor a frase paternal. A senhora ao lado ouve e acha graça. E subito pronuncio a solução do enigma, o satori budista, a derradeira resposta: "A gente só precisa de meias e cuecas novas, o resto dá-se um jeito". E rimos os três juntos. A resposta como mágica flutuava no ar como um balão azul pela loja

Algo em mim deu um estalo: eu só preciso confiar na vida, em meus valores e idéias, que para o resto (o mundo todo la fora) dá-se um jeito, desde que minha relação comigo seja confortável. Para o desconforto do mundo, eu posso dar nomes interessantes: aventura, desafio, evolução, e aprendizado. 

O que meu pai queria dizer era que para sermos felizes precisamos das pequenas coisas, que nos renovam, deixam-nos confiantes para enfrentar os altos e baixos da vida, os chamados da existência, as conjunções dos planetas, as mudanças inexoráveis, os golpes de sorte, e de azar. 

Mas como dizer a verdade ao menino de 10 anos que queria ir a Disney, ao adolescente de 15 anos que queria andar de skate, ao universitário de 20 anos que queria morar no exterior, ao aventureiro de 30 anos que queria cruzar desertos, ao engenheiro de 40 anos que queria resolver problemas de uma tribo indígena, ao quase doutor de 50 anos, que ainda tem dúvidas de que é um bom escritor? 

Ele não pode me dizer mais nada, e nem precisa. Se eu pudesse, diria a ele: "Papai, finalmente, eu entendi sua filosofia do desapego pelas coisas materiais, a serenidade nas derrotas e vitórias, o seu bom humor, o seu amor pela natureza, pela sua família, pelos seus amigos, seu carinho pelos necessitados. Que presente tê-lo comigo durante todos esses anos. Esse ano papai eu quero cuecas novas, feliz natal!".


segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Lua Cheia Potiguar

O oceano traz noticias do leste

carreando vibrações siderais

que vem dar na costa potiguar

Que mensagem é essa que muda

a cor dos ventos

a temperatura da água

o cheiro do crepúsculo?

Altivo chega o mar

de peito estufado nas areias da Ponta Negra

A lua cheia de beleza me sauda:

"Sou eu poeta 

aquela que traz as boas novas

que reverberam de titânicas energias

mas chegam suaves ao mar"

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Travessia Corporal

Da boca ao fígado

do ouvido ao ilíaco

Quantos vezes fizemos 

a travessia do corpo

de norte a sul

de leste a oeste?


O gole d'água refresca

a ponta dos pés num instante

Tudo tão ligeiro

mais rápido que a internet

Corpo de cristal liquido transmite

sinteses proteicas de rara geometria


Da latitude dos braços a longitude dos cabelos

Do polo cerebral ao polo ventral

Geleiras derrentem na imaginação

enquanto o coração esquenta

ou esfria

O corpo tem comida favorita


seja ela qual for

Da cabeça ao estomago

constroi-se a si mesmo  

Não ha distância que explique

essa autopoiesis de perto

Sentir para fora é pensar


Envelhecer por dentro é entristecer

Amadurecer tem que amar 

tem que endurecer 

sem perder do corpo

essa eira nem beira 

que a gente vai levando


girando pelo globo dos olhos

em busca de primevas origens

da boca do mundo 

para a boca do corpo

imagina-se mente

desfaz-se de pensamentos


Gastronomia e Poesia

Decisão tomada em família: será servida nos cafés da manhã a mais bela poesia desta e de outras terras Para harmonizar a novidade infinita d...