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sábado, 21 de agosto de 2021

Os Incríveis Anos 90

 Éramos jovens nascidos nos anos da ditadura 

“Liberdade para todos ainda que tardia”

Mas o vício do autoritarismo continuava rondando

Havia uma ilha (liberal ou socialista?) no meio do caminho

Era uma ilha dentro de uma ilha do outro lado da história

No caminho tinha um “Feliz Ano Velho” de Marcelo Rubens Paiva

“E no ano novo, é para lá que eu vou” e eles foram em legião


Viver seu abre-alas, seu woodstock paulista

Sua Viena na fazenda do Barão Geraldo

Foram ser gauche na ilha universitária de Zeferino

e seus protegidos do regime de Chumbo:

os torturados, os titãs do conhecimento

os gênios da pátria que ficaram

O terreno da Unicamp foi então mapeado


a moradia, o bar do IFCH, o bandejão, a biblioteca

o laginho, o aldebarã nosso olimpo

os territórios da biologia, química

física, matemática, pedagogia

os pontos cardeais para encontrar os amigos

e sonhar, sonhar, sonhar

conspirar, conspirar, conspirar


por um novo brasil, um novo mundo, por um novo eu:

“Serei poeta e presidente do Brasil”

“Escalarei o Everest ”

“Escreverei livros fundamentais, e morarei na França”

“Mudarei o Brasil!”

Tanta coisa para ser mudada que a mudança logo começou

Organização estudantil, reuniões seríssimas


Resolução de problemas materiais inadiáveis

onde morar, como comer, como dizer o que sinto

como construir condições históricas e materiais 

para fazer festas

Construir e celebrar!

Unimo-nos pela cultura e pela cerveja

O ginásio da Unicamp é nosso!


E para lá trouxemos nossos ícones: Caetano, Gil, Lulu Santos

Arrecadamos fundos para a luta 

armada da mais pura esperança:

Já tem para hoje e dane-se a escassez

Viveremos hoje o futuro escolhido:

“Serei gerente da Schincariol”

“Trabalharei na Paulista”


“Como governador de São Paulo, declararei...”

Construíu-se uma rádio livre para anunciamos a boa nova:

"Caros compatriotas

teremos aqui uma Pasargada

um pedaço de terra livre"

Criou-se um cursinho pre-vestibular 

para que os excluídos vivenciassem a justiça natural


de ser tudo o que se é

para não morrer de qualquer tipo de fome

Faremos juntos, um país mais negro, mais feminista

menos machista, mais indígena, mais socialista, mais liberal

Todas as utopias juntas e abraçadas

Protejeremos contudo as fronteiras da ilha:

Festas são bastilhas contra a caretice


“Polícia para quem precisa”

Mas ainda restava buscar o diploma

Era preciso estar nos auditórios e ouvir os PhD´s

percorrer com eles os labirintos do conhecimento

Encontrar o Minotauro estudando cálculo

Helena de Troia debulhando Foucault 

Dionísio convencendo Apolo que menos é mais


Nosso Ubaldo o rei da ilha

Musas belíssimas

Heróis do movimento estudantil

Fazedores de tendências

Formadores de opinião

CDF’s iluminados

afinal alguém tinha que pensar tudo isso


Todos se encontravam nos sarais da casa M6

para ler os sagrados livros da poesia:

Leminsky, Quintana, Drummond, Oswald, Cecília, Bandeira

ensinariam a transformar a cidade

depois de um tsunami de verdades doces

Mas as contradições da realidade persistiam

a invadir nossos melhores versos


A formatura se anunciava para uns

pós-graduação à mão para outros

O mundo dos interesses concretos

a roubar o precioso tempo da transformação

Alguns amigos foram saindo

A festa acabou...

O último fecha a porta...


É preciso voltar e semear o mundo lá fora

Ou, buscar outras ilhas de inspiração

Alguns foram para a Califórnia ou Parintins

para periferia ou uma nova fronteira

A Amazônia ficaria pequena

na grande vontade de fazer diferente

Mas as contradições estavam presentes


“Envelhecer é isso”, uns diziam

“Agora é hora da dura realidade”, balbuciavam outros

Era questão apenas de encontrar outro navio

com passageiros certos e um novo porto

O presente não muda o futuro

É o futuro que semeia o presente

Enfim, estavamos preparados:


O presente, finalmente, era nosso!

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