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quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Filosofando

1. Na infância e na adolescência fui um epicurista sem saber. Protestava quando as disciplinas esquartejaram o real. Como assim se é a realidade é uma só? Brincava de criar novas disciplinas como que querendo completar o projeto cartesiano. As línguas seriam analisadas nas aulas de biologia e português. A matemática seria tema da história, e a história inseparável das ciências. 

2. Parece até que eu já concordava com Demócrito que tudo é composto de átomos e quarks inclusive a alma. Um só mundo onde os prazeres todos tinham seu momento certo. E se ajudavam mantendo a minha potência de viver, e eu nem sabia quem era Spinoza. O meu diálogo era com Lao Tse e o seu Yin-yang dos opostos em equilíbrio. 

3. Estudar para a nota 8 rendia tanto alegrias na escola ao entender a essência de determinada matéria, quanto marcava pontos no jogo de futebol a partir das 17 horas no campinho de grama em frente à minha casa. Um prazer imprudente impede a realização de outros.

4. Um dia me acusaram de ser o líder da gang que pichava o prédio talvez pelo meu protagonismo para organizar a pelada. Fui até a minha mãe e perguntei o que era ser líder? Mandar nas pessoas, decidir o que vão fazer me gerou boas risadas. Isso deve ser muito chato. Eu estava de acordo com Max Weber de que a política é um direito que deve ser exercido fora de qualquer ganho econômico. Eu diria que é a política é um prazer coletivo, que gera o bem comum. O legal mesmo é a amizade, fazer juntos as coisas que geram prazer para todos. 

5. Na juventude ao sair do jardim epicurista do meu bairro vi que precisava encontrar energia em mim para enfrentar tantas escolhas, e começar a competir por um lugar ao sol quando até ali o meu verbo favorito era colaborar. O poeta persa Jalaluddin Rumi acreditava que aquilo que a gente busca está buscando a gente. Mas um mundo com tanta coisa para mudar me deixou estupefato apesar da intuição de que algo de bom estava me esperando.

6.  Aonde estaria essa confiança para vencer tantos desafios? Nos poemas medievais de 3 versos os haicais guardavam o segredo do zen budismo, "a verdade de todas as filosofias e religiões". Mas como? No instante do encontro das dualidades emerge a energia da verdade. A poesia, a política, a capoeira tinham essa energia, esse "axé”, que está no mundo e também em mim. Para ativar minha a potência de viver fui dialogando com Spinoza sem saber. Me aproximava daquilo que aumentava minha alegria, e me afastava do que me roubava a alegria da minha criatividade. 

7.  Ao receber o resultado do teste vocacional, o impacto foi enorme diante do sorriso da terapeuta: "Você tem todas as habilidades para artes, humanas e exatas. O segundo diagnóstico foi ainda mais impactante: "Você é pluriapto". Se posso ser tudo, escolher qualquer curso, ou carreira na universidade, vou dar o salto, e busca numa escala acima (uma oitava a mais nos caminhos da vida?) o sentido da minha vida material? Escolhi, ainda movido pela culpa católica, entre dois grandes projetos de vida: lutar contra a fome, diminuir a degradação ambiental. Como se fosse pouco mas intuiu que escolhido a questão central o resto viria fácil. Escolhi o primeiro, mas a vida me colocou no segundo projeto, e ainda mais abrangente: a questão ambiental. Agora era mais fácil escolher a dita careira universitária? Mas por onde começar? Sim, um curso interdisciplinar (ou transdisciplinar?). Escolhi engenharia, mas já pensando em ir para a antropologia e depois economia e ciência política, mas comecei mesmo pela psicologia, e depois a química. Tudo bem simples e natural.

8. Essa busca titânica da carreira ideal me levou a questionar as carreiras, e ainda mais: a própria vida. Afinal, qual o sentido da vida? Trabalhar? No meu primeiro ano de faculdade eu investiguei o sentido da vida comum, essa vida compartilhada por todos e cujo trabalho é um vetor central para organizar as vidas. Sem encontrar solução objetiva, fui incorporando em mim a pergunta de 1 milhão de dólares: "Qual o sentido da vida?". Reinier Maria Rilque estava certa ao aconselhar um jovem poeta a se concentrar na pergunta pois a resposta tem um tempo próprio para nascer. Numa tarde em um novo Shopping na minha cidade, a resposta enfim chegou: o sentido da vida é não ter sentido. Da resolvida crise existencial, com a descoberta de tantos amores mergulhei de cabeça na crise política. Podemos viver bem juntos, mas como? Foi difícil conciliar a harmonia e a intuição da verdade com negócios do mundo atravessados pela disputa ferrenha pelo poder, e suas racionalizações. Como navegar o prazer, a potência da vida e a alegria diante do poder e suas seduções? 

9. Um dia me perguntaram se já havia lido Nietzsche. Devem ter intuído que eu estava de saco cheio da disputa dos poderes que eu via na sociedade, e sua máquina de produzir razões. Como o filósofo alemão, eu queria também viver como quem constrói uma obra de arte. Mas na política não há espaço para perdedores nem poetas. 

10. Eu ousei questionar o filósofo da justiça social, Karl Marx, recorrendo ao jardim de Epicuro. Sem prazer prudentes, o planeta pagava o preço com seu metabolismo alterado. E pelo planeta impactado, construí uma profissão. Fui conselheiro do meio ambiente, ganhei um concurso de projetos de desenvolvimento sustentável, participei de análises de temas interdisciplinares do desenvolvimento e dos ecossistemas.

11. Perto de defender meu doutorado recordo as etapas do meu desenvolvimento pessoal para dar conta do desenvolvimento da sociedade humana. Como chegar a acordos quando as percepções, interesses e desejos são tão distintos? Escuto atentamente Hegel dizer que existe um movimento dialético da história humana neste planeta azul.

12. E como será o nosso futuro comum? Não sei, mas cada resposta fala muito mais do presente de quem responde do que do futuro, este espelho das percepções, escolhas e interesses.

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